Os alunos serão divididos em grupos para lerem os fragmentos da memória ( QUE ESTÃO RECORTADAS) e utilizando os conhecimentos de coesão e coerência, elaborarão seu texto.
O valetão que engolia meninos e outras histórias de Pajé
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Já foram escritas
muitas histórias da época em que os meninos engraxates eram engolidos pelo
valetão da Rua Sete de Setembro. Mas nenhuma delas conta esta ou outras histórias
de Pajé. Guardo-as dentro do peito, como boas lembranças da rua onde vivi e que
teimam em se misturar com a história da cidade.
Nascemos juntos: eu, a rua e essas histórias.
Somos uma coisa só, mas nós não estamos nos livros. Estamos na contramão, por
isso me atrapalho com as palavras. Às vezes falta ar, outras o ar é demais, então
o meu coração acelera, o nó na garganta avisa: o menino Pajé vai acordar!
Hoje, quem não conhece a Rua Sete de
Setembro é porque não conhece minha cidade - Toledo. Apertada entre outras no
extremo oeste paranaense, bem pertinho do Paraguai, surgiu de uma clareira no
meio da mata.
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Naquele tempo, uma clareira; hoje, Rua Sete de Setembro. Essa rua foi
crescendo e acolhendo o progresso que tenta esconder e aprisionar as histórias
de Pajé. Elas estão descansando embaixo do calçamento, dos asfaltos, dos prédios,
das casas. Basta um sinal que elas voltam.
Cheiro de terra molhada - esse era o sinal.
E, ainda hoje, sinto esse cheiro entrando no meu cérebro e mexendo com o meu
coração. Naquele tempo bastava sentir o cheiro de terra molhada para que nós,
os meninos engraxates, escondêssemos nossas engraxadeiras - caixa de madeira em
que se guardava o material necessário para engraxar sapatos - no porão dos
fundos da bodega do Pizetta e, como garotos matreiros, saíssemos de mansinho,
sem despertar curiosidade. Corríamos lá embaixo, no começo da rua que embicava
no meio da mata, pois o mistério ia começar!
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A chuva caía e formava muita enxurrada que, com sua força, trazia a
terra misturada. Parecia uma cascata de chocolate que despencava no valetão -
buraco muito profundo provocado pelas enxurradas, erosão. A água fresquinha que
caía do céu misturava com a terra quente e provocava o mistério. Nós éramos puxados
para dentro daquele enorme buraco por uma força estranha sem dó. Mesmo os que não
queriam não conseguiam resistir, porque a magia era muito forte e, em poucos
segundos, estávamos lá dentro, na garganta do valetão, onde brincávamos durante
horas. Nessas horas o trabalho era esquecido.
Quando eu era menino, trabalhava muito.
Todos os dias de manhã ia à escola e, ao retornar, mal acabava de almoçar,
pegava a engraxadeira, colocava nas costas para a rua, quer dizer, para o
trabalho. A engraxadeira era muito grande e pesada para meu tamanho - eu era
apenas um garoto! Mas era a única forma de ajudar minha mãe no sustento da família.
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Sentia como se estivesse carregando o mundo sozinho.
Hoje sou adulto e sei que aquela magia era
fruto de nossa fantástica imaginação. Como qualquer outro menino, o engraxate
também tinha direito de brincar. Uma das poucas vezes em que podíamos fazer
isso era quando chovia. Mesmo que depois nos custasse castigos e surras.
Atualmente, as brincadeiras, comparadas com
as de meu tempo, são muito diferentes. Hoje, os heróis são Superman, Batman,
Homem-Aranha. Antes tínhamos heróis indígenas, com suas histórias cheias de
mistérios das florestas.
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Naquele tempo, quando chovia, o valetão da Rua Sete de Setembro era
nosso mundo fantástico. Além das divertidas brincadeiras no lamaçal que
escorria da rua, fazíamos cabanas no paredão da erosão, guerrilhas com bodoque,
usando sementes de árvores como cinamomo e mamona.
Quando não chovia, sobrava tempo para
brincar só aos domingos. Então, eu - Pajé - e minha turma nos reuníamos na
mata, que se misturava com o terreiro das casas.
Nele, construíamos cabanas, arcos, flechas,
tacapes. Pintávamos o corpo todo com barro e frutinhas da mata. Assim,
sentindo-nos como heróis, brincávamos de índios guerreiros, até o sol se esconder.
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Nossa vida se enchia dos poderes que vinham
da mata e seguia solta, como passarinho. O fim da história? Não sei não, porque
eu ainda vivo. E enquanto eu viver as lembranças nunca vão terminar.
Aluna finalista da 3ª edição do Prêmio
Escrevendo o Futuro, em 2006, 4ª- série da E.M.E.I.E.F. Walter Fontana, Toledo
- PR.
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